Hebron - الخليل


A cidade de Hebron localiza-se no coração da Cisjordânia e é um dos locais mais "quentes" do conflito Israelo-palestiniano. Resolvemos visitar Hebron a partir de Belém. Depois de visitarmos um campo de refugiados apanhamos uma sherut e em menos de uma hora chegamos a um dos maiores palcos deste conflito.


Pelo caminho para Hebron percorremos aquilo que é designada como Zona B, ou seja, áreas da Palestina controladas militarmente pelo exército de Israel mas com população civil palestiniana. Pela estrada vemos tanques de guerra, jipes, soldados armados e muita população civil. Quando chegamos a Hebron saimos no coração da cidade muçulmana. Hebron insere-se na chamada Zona A, controlada militarmente e civilmente pela Autoridade Palestiniana e, à chegada começamos a ver as placas que proíbem a entrada de militares israelitas. No entanto, a Autoridade Palestiniana não controla a totalidade da cidade. Apenas 80% desta está sob a sua alçada e 20% sobre controlo de exército israelita.
  

Quando estavamos em Jerusalém um muçulmano aconselhou-nos a não nos aproximarmos da Mesquita de Ibhraim ou do Túmulo dos Patriarcas (a mesma coisa mas com designações diferentes consoante se trate de muçulmanos ou israelitas). No entanto, uma vez em Hebron e depois de percorrer as ruas da parte nova da cidade, constatamos que aqui, mais uma vez, nada difere do resto das cidades árabes.
Sendo assim, resolvemos mesmo descer as ruas até ao núcleo da cidade antiga em direcção ao souq e à mesquita.
  
Pelo caminho fomo-nos apercebendo que, se em Belém sentimos o conflito, aqui estávamos a caminhar em cenário de guerra. As ruas da parte antiga estão barricadas por taipais de ferro e aço e os soldados condicionam o nosso trajecto. Nós e todos os palestinianos só nos podemos dirigir por um caminho porque todos os outros foram tapados. Arame farpado e redes fecham entradas e ruas. As armas dos soldados israelitas seguem os nossos movimentos. É assustador.

 
Redes de sarapilheira camufladas cobrem os edifícios e começamos a ver aquilo que até então só tínhamos visto em filmes.
  

Ainda bem que decidimos visitar Hebron, apesar do risco associado, porque quando aqui chegamos vimos aquilo que a TV não mostra e os rádios não comentam.
  
Um homem convida-nos a visitar a sua casa. Depois de alguma relutância por parte do Rui, consigo convencê-lo e fomos. Subimos para a casa do palestiniano e passamos por um soldado israelita. Pergunta-me o que faço ali. Respondo que sou viajante e estou a visitar Hebron. Não percebe porquê!!! Pergunta-me que opinião tenho sobre o que se passa ali, o conflito. Digo que não sei e embora tenha uma ideia formada sobre o conflito, agora que estou aqui passei a ter mais dúvidas do que certezas. O palestiniano continua a mostrar os sinais da ocupação na frente do soldado. Tenho pena do soldado. Parece-me provocatória aquela atitude. É uma sensação difícil de explicar. O soldado não passa de uma criança que não deve ter mais de 19 anos. No entanto, há uma grande diferença entre aquele soldado e o palestiniano. O soldado está armado e o palestiniano não. Isso faz toda a diferença neste local.
  

Entramos na casa do palestiniano. Mostra-nos o quarto tapado por ferro e com soldadura. As janelas estão cobertas por grades.


Mostra-nos os restos dos cocktails molotof que os colonos atiram durante a noite. Mostra-nos o filho praticamente cego pelo ácido que os colonos lhe atiraram à cara. Exibe as marcas das balas no corpo. Não queria acreditar!!! Onde estou eu? Senti-me mal. Muito mal. Tive medo. Queria fugir. E só estava ali há alguns minutos! Como seria viver naquele local?
  
Ainda tomamos chá com a família palestiniana enquanto nos falava das dificuldades de viver ali. Subimos ao telhado. Do outro lado da casa agora dividida vivem colonos judeus. Vemos os soldados armados a brincar com as crianças judias. O palestiniano mostra-nos os depósitos de água no telhado baleados pelos colonos.
  

Em Hebron existem 500 colonos judeus a viver numa área desapropriada aos palestinianos e entregue aos judeus. Para manter a segurança destes colonos existem 4000 soldados. Todos os colonos têm porte de arma e exibem-nas como sinal de superioridade.
  

As ruas estreitas que levam à mesquita de Ibrahim estão cobertas de arame que acumulam quantidades de lixo impressionantes que os colonos atiram das casas que ocupam por cima.
  
Uma vez chegados à mesquita tentamos entrar naquela que foi um dos maiores palcos de horror neste conflito: o Massacre de 1929 em que os muçulmanos mataram 67 judeus e o Massacre de 1994 em que um judeu abriu fogo sobre os muçulmanos que oravam na mesquita na comemoração do final do Ramadão, matando 29 e ferindo 125. O judeu que perpetuou este massacre é hoje um herói em Hebron e tem, inclusive, direito a uma estátua em frente ao Túmulo dos Patriarcas.


Quando vimos a Mesquita de Ibhraim percebemos claramente a razão de tão ávido conflito. O mesmo edifício é uma mesquita para os muçulmanos e uma sinagoga para os judeus. Tem duas portas fortemente militarizadas. A do lado esquerdo permite entrar na mesquita. Como estamos em período de Ramadão não pudemos entrar. Vamos pela porta do lado direito e entramos no Túmulo dos Patriarcas, o mesmo edifício mas do lado Judeu.
  
Depois de nos perguntarem (mais uma vez) se tínhamos bombas, armas, facas, etc. e de certificarem que éramos cristãos e não muçulmanos, lá conseguimos entrar e ver a fonte de todos os conflitos em Hebron. É indescritivel a sensação. Lá dentro, o que parece uma sinagoga normal tem o túmulo de Jacob e Abrão (Ibhraim para os muçulmanos) e as respectivas esposas.
  
Os túmulos estão no centro do edifício e consigo ver os muçulmanos do outro lado a orarem dentro da mesquita em direcção aos mesmos túmulos. A sinagoga é também muito sui geniris já que, como ocupa o edifício da mesquita, exibe passagens do corão nos azulejos da parede.
  

Saimos dali, olhamos para as ruas desertas que hoje são o colonato judeu de Hebron. As ruas que outrora pertenceram ao souq muçulmano foram fechadas a cadeados e as dobradiças das portas soldadas. Hoje por cima têm as casas dos colonos que, nalguns casos, ocupam-nas paredes meias com os palestinianos.


A sensação de percorrer esta cidade, nomeadamente a parte velha é indescritivel e por muito que tente passar a emoção e contradição de sentimentos que me assolaram sinto que não o consigo fazer. Quando apanhamos a sherut de regresso a Belém vinha em estado de choque. Sentia-me mal e não conseguia assimilar tudo aquilo que tinha visto. O que se passa aqui? Porque é que o Homem é tão mau com os da mesma espécie?
  

Pelo caminho vejo crianças a brincar com armas de plástico e a passearem nas ruas com pistolas de brincar na mão. Dois dias depois vejo na SkyNews que quatro colonos judeus foram mortos em Hebron. Algum dia isto terá um fim?

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